terça-feira, 21 de outubro de 2025

A Grande Mãe Ferida

 



Na tradição junguiana, o arquétipo da Grande Mãe representa o princípio da vida, o ventre que acolhe, nutre e sustenta a existência. É a matriz original, fonte de proteção e de sentido, que tanto alimenta o corpo quanto dá forma à alma.


Entretanto, quando esse arquétipo se apresenta em sua dimensão ferida ou sombria, surgem experiências de abandono, violência, negligência ou fragilidade materna. A mãe que deveria oferecer o seio nutritivo pode se tornar inacessível; o colo protetor pode estar ausente; a força vital pode se revelar como ameaça ou vazio.


No inconsciente, essa ferida arquetípica deixa marcas profundas:


* o sentimento de insegurança básica,

* a dificuldade de confiar,

* o medo de ser rejeitado,

* e a vivência de um mundo hostil, em que a vida parece nascer sob risco e desamparo.

Contudo, na perspectiva junguiana, a ferida não é apenas destrutiva. Ela pode se tornar um chamado ao processo de individuação. O contato com a Grande Mãe ferida convida o indivíduo a buscar, em si mesmo, a matriz nutritiva que lhe faltou no mundo externo. É como se o Self oferecesse ao ego a possibilidade de encontrar, no silêncio interior, uma Mãe simbólica capaz de restaurar a confiança e gerar vida nova.


Assim, a ferida materna pode ser compreendida como um rito de passagem arquetípico: aquele que foi privado do cuidado primordial é desafiado a construir, ao longo da vida, um cuidado consciente, aprendendo a ser para si e para os outros o que não recebeu. Nesse movimento, a dor se transmuta em compaixão, e a ausência em potência criadora.


O arquétipo da Grande Mãe ferida, portanto, nos lembra que a vida humana nasce não apenas da plenitude, mas também da falta. E que, ao integrar a sombra materna, podemos reencontrar o caminho de volta à fonte, transformando o sofrimento herdado em possibilidade de cura e renovação.


Evandro Rodrigo Tropéia

CRP: 06/143949


quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O que a vida espera de mim?

 



Muitas vezes caminhamos perguntando à vida o que podemos receber dela: felicidade, amor, conquistas, paz. Mas, quando o silêncio se faz, surge uma questão que inverte a lógica e toca o mais íntimo do nosso ser: O que a vida espera de mim?

Talvez a vida não espere grandes feitos, mas autenticidade. Não espere que sejamos perfeitos, mas inteiros. Que não fujamos da dor, mas aprendamos com ela. Que não nos percamos na pressa, mas saibamos habitar o instante presente.

A vida espera de mim coragem para dizer sim ao chamado do meu coração, mesmo quando o medo grita não. Espera compaixão para com aqueles que encontro no caminho, e paciência com minhas próprias sombras. Espera que eu floresça onde fui plantado, sem invejar o jardim do vizinho, mas cuidando com amor da terra que me sustenta.

O que a vida espera de mim não é que eu a compreenda em sua totalidade, mas que eu a viva com profundidade. Que, ao final, possa olhar para trás e perceber que deixei rastros de bondade, de beleza e de verdade.

Talvez a vida não queira respostas prontas. Ela apenas espera que eu viva a pergunta — e, vivendo-a, descubra quem eu sou.


(Evandro Rodrigo Tropéia)

O SUICÍDIO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE C. G. JUNG

 



O suicídio é um fenômeno complexo que atravessa aspectos biológicos, sociais e psíquicos. Na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, o ato suicida pode ser compreendido como expressão de conflitos inconscientes não integrados, especialmente da sombra. Este artigo analisa o suicídio na perspectiva junguiana, destacando a importância da individuação e do reconhecimento dos conteúdos psíquicos reprimidos como caminhos para a prevenção e o cuidado clínico.

A Psicologia Analítica, proposta por Carl Gustav Jung, oferece um olhar singular sobre o suicídio, integrando aspectos clínicos e simbólicos. Jung (2013) entende a psique como uma totalidade estruturada pelo consciente, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo, de modo que o comportamento suicida pode ser visto como manifestação de forças psíquicas que não foram reconhecidas e integradas pela consciência.

O Suicídio e a Sombra

Um dos conceitos centrais da Psicologia Analítica é a sombra, que corresponde a conteúdos reprimidos ou não aceitos da personalidade. Para Jung (2011), quando a sombra não é confrontada, seus aspectos negativos tendem a se manifestar de forma autônoma, podendo levar a comportamentos autodestrutivos.

O suicídio, nesse sentido, não é apenas fuga do sofrimento externo, mas pode expressar a dificuldade do indivíduo em integrar sua sombra, resultando em desespero e perda de sentido diante da vida.

A Individuação e o Sentido do Sofrimento

Jung (2000) define a individuação como o processo de integração da psique em direção à totalidade. Quando esse processo é interrompido, seja por traumas, crises ou repressões, o ego pode fragilizar-se a ponto de não sustentar o peso das exigências do inconsciente.


O sofrimento, contudo, não deve ser interpretado apenas como algo negativo. Para Jung (2014), a dor psíquica possui uma função simbólica e transformadora: quando acolhida e elaborada, abre caminho para a construção de sentido e para a continuidade do processo de individuação.



Implicações Clínicas e Preventivas

O trabalho clínico, sob a ótica junguiana, consiste em acolher o sofrimento e auxiliar o paciente a integrar os conteúdos inconscientes. A análise dos sonhos, a amplificação simbólica e o diálogo com a sombra são ferramentas fundamentais (Jung, 2011).

A prevenção do suicídio, portanto, não se limita à eliminação de sintomas, mas exige a construção de sentido e a reconciliação do indivíduo com sua totalidade psíquica. Esse olhar amplia a compreensão do suicídio, considerando-o também como um fenômeno existencial e simbólico.

 


 

Conclusão

 

A Psicologia Analítica de Jung contribui para uma compreensão profunda do suicídio, ao interpretá-lo como manifestação de conflitos inconscientes e de um processo de individuação interrompido. A sombra, quando não reconhecida, pode levar a comportamentos autodestrutivos; entretanto, ao ser integrada, abre caminho para uma vida mais plena.

Assim, o pensamento junguiano oferece à clínica e à prevenção do suicídio uma abordagem que valoriza o sentido, a transformação e a dignidade da existência humana.

 

 

Evandro Rodrigo Tropéia

Psicólogo Clínico

CRP: 06/143949

 

Referências

 

JUNG, C. G. Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

JUNG, C. G. Aion: Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 2011.

JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2013.

JUNG, C. G. A vida simbólica. Petrópolis: Vozes, 2014.

 


domingo, 7 de setembro de 2025

UM OLHAR PROFUNDO SOBRE A INFLUÊNCIA DO PAI NA PSIQUE

 




Na Psicologia Analítica elaborada por Carl Gustav Jung (2013), o conceito de complexo refere-se a um conjunto de ideias, sentimentos e memórias carregadas de afeto, organizadas em torno de um tema central. Um dos mais influentes e universais é o complexo paterno, que representa a forma como o pai – real ou simbólico – se inscreve na psique de cada indivíduo.

 

Mais do que a figura biológica, o pai simboliza uma função estruturante e orientadora na vida psicológica. Assim, o complexo paterno pode se manifestar de formas variadas, tanto positivas quanto negativas, influenciando profundamente a personalidade, os relacionamentos, a espiritualidade e até mesmo o senso de identidade.

De acordo com Jung (2013), o pai representa o princípio da autoridade, da lei, do logos, ou seja, do pensamento racional, das regras e da estrutura. Enquanto a mãe está associada ao útero psíquico, à origem da vida e à função nutridora (anima), o pai é o símbolo da separação, do mundo externo, da consciência e da razão.

 FORMAÇÃO DO COMPLEXO PATERNO



O complexo paterno pode surgir de maneira positiva ou negativa, dependendo da relação com a figura paterna e das experiências subjetivas vividas com ela.

 

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Complexo Paterno Positivo:

O pai é visto como protetor, justo, sábio e inspirador.

Estimula o crescimento, o desenvolvimento intelectual, a autoconfiança e o senso de direção.

O indivíduo consegue integrar com equilíbrio a razão, a disciplina e o senso de responsabilidade.

  

·          Complexo Paterno Negativo:

O pai é percebido como ausente, autoritário, frio, crítico ou opressor.

Pode gerar insegurança, dificuldade de afirmação, medo de autoridade ou, ao contrário, rebeldia excessiva.

A pessoa pode projetar esse conflito em figuras de poder (chefes, líderes, parceiros) ou na espiritualidade (Deus-pai).

Na infância, o complexo paterno molda o desenvolvimento da personalidade. Na adolescência, pode surgir em forma de rebelião ou idealização. Na fase adulta, ele influencia as escolhas profissionais, a relação com a autoridade, a espiritualidade e até mesmo o exercício da paternidade.



O complexo paterno, em sua profundidade, revela não apenas a influência do pai biológico, mas de todas as figuras de autoridade, ordem e estrutura que encontramos ao longo da vida. Integrar esse complexo de forma consciente e equilibrada é um passo essencial para o amadurecimento psicológico e espiritual.



Como nos ensina Jung, “aquilo que não enfrentamos no inconsciente se manifesta em nossa vida como destino”. Por isso, olhar para o pai interior — com todas as suas luzes e sombras — é um ato de coragem e libertação.


Evandro Rodrigo Tropéia / Instituto Freedom

CRP: 06/143949

 

 

Referências bibliográficas:

 

JUNG, C. G. Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes, 2013.

 

JUNG, C. G. Símbolos da Transformação. Petrópolis: Vozes, 2014.

 

JUNG, C. G. Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 2011.

 

JUNG, C. G. Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

 

SAMUELS, Andrew. Jung e os Pós-Junguianos. Petrópolis: Vozes, 1989.

 

STEIN, Murray. Jung: O Mapa da Alma. São Paulo: Cultrix, 1998.

 

HENDERSON, Joseph L. Os mitos antigos e o homem moderno. In: JUNG, C. G. et al. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 91-157.

 


O COMPLEXO MATERNO NA VISÃO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA JUNGUIANA

 


Na Psicologia Analítica, desenvolvida por Carl Gustav Jung (1875-1961), os complexos representam essências de conteúdos psíquicos carregados de forte energia emocional, formados em torno de experiências arquetípicas. Dentre eles, o Complexo Materno é um dos mais significativos, pois está diretamente relacionado à vivência primordial do ser humano: a relação com a mãe e, por extensão, com o arquétipo materno.

Para Jung, o arquétipo materno é uma imagem universal que representa o princípio feminino, ligado ao cuidado, à nutrição, à proteção, mas também ao perigo de aprisionamento e sufocamento. Esse arquétipo está presente em mitos, religiões e símbolos coletivos, aparecendo tanto em figuras de deusas benevolentes quanto em imagens de mães terríveis e devoradoras.


Formação do complexo materno




O Complexo Materno se forma a partir da interação entre a experiência real da criança com sua mãe (ou figura materna substituta) e a presença do arquétipo materno no inconsciente coletivo. Assim, cada indivíduo vivencia uma versão única desse complexo, que pode assumir formas positivas ou negativas. 

Aspectos positivos: estímulo à criatividade, à sensibilidade, ao acolhimento e ao desenvolvimento da confiança básica.

Aspectos negativos: dependência excessiva, dificuldade de autonomia, regressão, aprisionamento psíquico e projeções inconscientes sobre mulheres, parceiros ou figuras de autoridade.

A figura materna suficientemente boa carrega em si a capacidade de nutrir o ego, criando assim a capacidade de tolerância e desenvolvimento da personalidade. Quando ocorre a falha no cumprimento deste papel, a figura materna toma uma posição destruidora da psique.

O Complexo Materno bem vivenciado e elaborado é nutridor e libertador.


O Complexo Materno, na visão de Jung, ultrapassa a experiência pessoal com a mãe biológica. Ele é uma expressão do arquétipo materno que habita o inconsciente coletivo, e cuja influência pode ser tanto construtiva quanto limitadora. O desafio do indivíduo é reconhecer essas forças internas, elaborá-las e transformá-las em caminho de crescimento e amadurecimento psíquico.

 

 

Evandro Rodrigo Tropéia / Instituto Freedom

CRP: 06/143949

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

Léxico dos Conceitos Junguianos a partir dos originais de Carl Gustav Jung. Organizado por Helmut Hark (2000)

 

Robert, Robin. Guia Prático de Psicologia Junguiana. Um Curso básico sobre os fundamentos básicos da Psicologia Profunda. Ed. Cultrix. 2021.