Na tradição junguiana, o arquétipo da Grande Mãe representa o princípio da vida, o ventre que acolhe, nutre e sustenta a existência. É a matriz original, fonte de proteção e de sentido, que tanto alimenta o corpo quanto dá forma à alma.
Entretanto, quando esse arquétipo se apresenta em sua dimensão ferida ou sombria, surgem experiências de abandono, violência, negligência ou fragilidade materna. A mãe que deveria oferecer o seio nutritivo pode se tornar inacessível; o colo protetor pode estar ausente; a força vital pode se revelar como ameaça ou vazio.
No inconsciente, essa ferida arquetípica deixa marcas profundas:
* o sentimento de insegurança básica,
* a dificuldade de confiar,
* o medo de ser rejeitado,
* e a vivência de um mundo hostil, em que a vida parece nascer sob risco e desamparo.
Contudo, na perspectiva junguiana, a ferida não é apenas destrutiva. Ela pode se tornar um chamado ao processo de individuação. O contato com a Grande Mãe ferida convida o indivíduo a buscar, em si mesmo, a matriz nutritiva que lhe faltou no mundo externo. É como se o Self oferecesse ao ego a possibilidade de encontrar, no silêncio interior, uma Mãe simbólica capaz de restaurar a confiança e gerar vida nova.
Assim, a ferida materna pode ser compreendida como um rito de passagem arquetípico: aquele que foi privado do cuidado primordial é desafiado a construir, ao longo da vida, um cuidado consciente, aprendendo a ser para si e para os outros o que não recebeu. Nesse movimento, a dor se transmuta em compaixão, e a ausência em potência criadora.
O arquétipo da Grande Mãe ferida, portanto, nos lembra que a vida humana nasce não apenas da plenitude, mas também da falta. E que, ao integrar a sombra materna, podemos reencontrar o caminho de volta à fonte, transformando o sofrimento herdado em possibilidade de cura e renovação.
Evandro Rodrigo Tropéia
CRP: 06/143949